Desde que adentrei o universo da humanização do parto tenho acompanhado o drama de algumas mulheres que passam das 41 semanas gestacionais e vêem seus sonhos de um parto natural cada vez mais ameaçados. Algumas por conta dos protocolos de casas de parto, outras por esbarrarem nos limites dos profissionais assistentes.
Sempre levantei a bandeira da conduta expectante com monitoramento do bebê, ou seja, aguardar o início espontâneo do trabalho de parto enquanto o bebê der sinais de estar bem. Mas eu nunca, nem de longe, imaginei o quão difícil essa espera pode ser.
Filipe nasceu às 41 semanas e 1 dia de gestação. Não deu tempo de ficar ansiosa. A segunda gestação foi diferente. Eu tinha duas datas prováveis de parto (DPP’s): 18/08, calculada pela data da última menstruação (DUM) e 25/08 pela minha tabelinha de ovulação, com uma semana à mais. Tinha duas ultrassonografias das primeiras 8 semanas, cada uma confirmando uma das datas.
Com essas duas DPP’s em mãos, fiz as contas de 42 semanas pela mais tardia. Assim, o bebê 2 era esperado pra Setembro e era o que respondia a todos que me perguntavam. Não contei as semanas durante toda a gestação porque não queria mentir quando fosse indagada. Então, quando respondia: “não sei com quantas semanas estou” eu, de fato, não sabia.
Mas Agosto chegou e com ele a necessidade de deixar a casa preparada para um parto domiciliar. Separar as coisas e conviver com as “caixas do parto” na sala de casa durante todo o mês fizeram surgir uma pontinha de ansiedade.
Meu marido precisou viajar quando eu estava com 39 semanas e passou os dias que antecederam a viagem dizendo que o bebê nasceria antes. Isso gerou mais um pouquinho de inquietação.
O ritual de arrumar a casa toda noite desde a 38ª semana também foi tensionando a todos.
Enfim, passei 5 semanas, 35 dias, indo dormir como se toda noite fosse “a noite”.
Isso tudo fez com que a tranquilidade e o desprendimento cultivados durante a gestação fossem diminuindo e as 41 semanas chegaram pela data da DUM sem que nenhum sinal externo de que as coisas estivessem acontecendo se apresentasse.
Por protocolo, começamos um monitoramento mais atento: ultrassonografias, cardiotocografia e consultas de pré-natal menos espaçadas. Tudo bem com o bebê e comigo, mas nada tranquilo na cabeça.
Veio a super lua e com ela uma esperança. Dale chá de Naoli, caminhadas noturnas, acupuntura e nada. Nem pródromos (contrações de treinamento), nem sensação nenhuma. E as manhãs vinham carregadas de um sentimento de desapontamento: mais um noite e nada (eu jurava que ia parir de madrugada!).
A sensação de que ficaria grávida pra sempre me consumia. Cansaço, peso, ansiedade. Virou tudo uma bigorna sobre minha cabeça.
No domingo, às 41 semanas e 5 dias fui à igreja. Os olhares com letreiro de “mas ainda não nasceu?” foram muitos, mas participar do culto, cantar, dançar e ouvir a pregação me deram ânimo e descanso. Saí de lá determinada a aproveitar cada dia de barriga com mais leveza.
Durante a semana mais uma ultra, mais um cardio. Desisti da acupuntura, abandonei o chá. Acordava com um sorriso voltado para a barriga lembrando-me do trecho bíblico de Lamentações de Jeremias 3:21 a 26
“Torno a trazer isso à mente, portanto tenho esperança.
A benignidade do Senhor jamais acaba, as suas misericórdias não têm fim;
renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade.
A minha porção é o Senhor, diz a minha alma; portanto esperarei nele.
Bom é o Senhor para os que esperam por ele, para a alma que o busca.
Bom é ter esperança, e aguardar em silêncio a salvação do Senhor.”
Sentia Filipe acariciar e beijar minha barriga conversando com “mi imão”. Agradecia por ter uma equipe que respeitava o tempo do bebê e assim mais um dia se passava.
Com 42 semanas e um dia fiz mais uma cardiotocografia. Conversei com a obstetra sobre as possibilidades de indução, os riscos de esperar, as duas datas de parto, as duas ultrassons. Lemos o termo de responsabilidade sobre gestação prolongada e decidimos, meu marido e eu, aguardar mais um pouco. Dispensei o descolamento de membranas que me foi oferecido e desmarquei a acupuntura que tinha agendada.
Eu havia acreditado na minha data de parto de ovulação durante toda a gestação. Eu conheço meu corpo, sei quando estou ovulando, sei até de que ovário ovulei. Não havia motivos para me boicotar naquele momento.
Fui pra casa, almocei e coloquei Filipe pra dormir. Peguei a chave do carro e fui arrumar minha sobrancelha. Sim, uma gestante de 42 semanas motorizada! Na volta, um sol lindo. Vesti meu maiô que quase não entrava e desci com Filipe para a piscina do condomínio. Carreguei-o no colo como há muito não fazia. Nadei, ri, brinquei. Boiei imaginando a sensação do bebê dentro de mim enquanto a água me levava.
Subi sentindo contrações e a madrugada me trouxe boas novas, mas aí é assunto pra outro post…
O que quero dividir aqui, muito mais que minha experiência pessoal, é a importância de ser acompanhada por uma equipe de assistência ao parto que trabalhe a partir de evidências científicas. Já falei sobre o tempo de duração de uma gestação em Ainda não nasceu? Afinal, quanto tempo dura uma gestação? A data provável de parto, às 40 semanas, não é uma data limite! Uma gestação bem acompanhada pode chegar ou ultrapassar as 42 semanas. Sim, há riscos, mas eles existem em qualquer momento da gestação. É uma questão de mensurar que riscos são esses e avaliar se eles cabem dentro dos seus limites de aceitação.
Esperar o tempo do bebê é um trabalho de parceria entre o obstetra e a família. O profissional, mesmo baseado em evidências, só seguirá até onde a família se sentir segura pra seguir. E hoje aproveito para agradecer mais uma vez à minha parteira querida, Dra. Sônia Sallenave, por acreditar em mim e confiar no que eu sentia. Por vencer comigo seus próprios limites e esperar por João no tempo dele. Que privilégio pra nós poder viver essa experiência amparados por sua serenidade e competência!
Por fim, fica a pergunta: e se eu tivesse, como muitas mães, aceitado que um obstetra cesarista agendasse o nascimento do bebê para a 38ª semana? Como seria para esse bebê ser retirado do ventre que nutre 4 semanas, 1 mês inteiro antes de estar pronto? Do que ele seria privado? Quanto de peso, de capacidade respiratória, de aporte de ferro ele perderia? Desculpem-me a franqueza, mas cesárea eletiva sem indicação é, no mínimo criminosa para com o bebê.
Optar por uma cesárea é, no Brasil, um direito da gestante, mas ela deveria ser, no mínimo, uma cesárea intra-parto, ou seja, após o bebê sinalizar que está pronto para nascer. Mas essa conduta não se encaixa na agenda dos profissionais não é? Não dá pra pular os domingos, feriados e datas comemorativas… bebês não dão a mínima para a lógica de consumo dos hospitais e seus pacotes de hotelaria e buffet de boas-vindas. Bebês não sabem que o pai preferia que ele nascesse na segunda-feira pra juntar os míseros dias de licença maternidade com o final de semana. Eles não se importam se a avó marcou férias para ajudar a filha no pós-parto, não ligam pra nada além do fato de estarem maduros para nascer e isso, pelo menos isso, deveria ser respeitado.
A cada relato seu é como se estivesse vivenciado cada detalhe.
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