Crônicas da maternidade por Ívina Salviano
Ele não quer dormir. Está visivelmente esgotado, mas resiste a todo custo.
Vamos para o quarto, ele se debate, grita, chora, diz que não vai dormir de jeito nenhum.
Tento outra abordagem:
– Filho, sabe quando a gente usa o celular e ele descarrega? Para usar de novo a gente recarrega, certo? Pessoas também tem um tempo para ficar ligadas, dormir é como recarregar as baterias.
Ele continua sentado na cama de braços cruzados.
Conto sobre hormônios de crescimento que são liberados durante o sono, faço cosquinhas nas pernas mostrando os ossos crescendo.
Ele ri.
Sinto o clima menos tenso.
Falo sobre uma sala bagunçada com brinquedos misturados e a dificuldade de encontrarmos o que queremos. Explico que nossos pensamentos estão assim de noite, bagunçados e fora de ordem. Por isso ficamos impacientes e por isso precisamos dormir para o cérebro colocar tudo em ordem.
– Sim, eu sei isso. Dentro do cérebro, do lado de cá tem um monte de gavetas onde a gente separa os pensamentos: de ideias, de alegrias, de coisas que a gente aprende. E tem também aqui na frente oh, bem aqui – mostra a fronte com as mãos – um lugar onde tem um buraco bem preto. Lá a gente joga as coisas que não quer guardar mais. As tristezas, as vezes que a gente fica bravo e grita… tudo o que não presta vai para esse buraco… – e a conversa continua com ele descrevendo em detalhes cada compartimento.
A essa altura, já está deitado e aninhado nos meus braços.
– Pipe, tem uma coisa que não pode ir pra esse buraco do esquecimento nunca. É a certeza de que a mamãe te ama.
– Eu sei disso. Que você me ama e que a vovó diz que eu sou o favorito dela (ela diz isso aos dois todas as noites).
– Ok. Então escolha uma gaveta bem especial no seu cérebro, desenhe um coração nela e guarde lá dentro essa certeza. Mamãe te ama para sempre.
– Pode deixar mamãe. Isso nunca vai para o buraco – diz o menino em meio a um longo bocejo.
Dormiu embalado pela cantiga que minha mãe usava para me ninar.
E eu vou dormir pensando nas gavetas mais importantes do meu cérebro. Há verdades que não posso esquecer nunca. Nunquinha.
Uma delas é caminhar No passo dos meninos com mais amor e menos pressa.